Quão freqüentemente acontece a mesma
coisa com nós em nossas discussões e controvérsias! Oh, que tristes
manifestações são estas! No noventa e nove por cento dos casos de disputas
entre pessoas, acharemos o mesmo resultado que o que vemos entre Jó e seus
amigos. Um pouco de contrição em uma das partes, ou um pouco de suavidade na
outra, contribuiriam de maneira significativa para solucionar a questão.
naturalmente que não nos referimos às situações em que se vê comprometida a
verdade de Deus. Nestas últimas, devemos ser denodados, decididos e
inflexíveis. Ceder quando está em jogo a verdade de Deus ou a glória de Cristo,
não seria outra coisa senão deslealdade a Aquele a quem devemos tudo. Clara
decisão e uma tenaz firmeza é o único que nos convêm sempre que se trate dos
direitos de Aquele bendito que, para assegurar os nossos interesses, o
sacrificou tudo, até a Sua própria vida. Que Deus nos guarde de deixar escapar
uma palavra ou de escrever uma única linha que tenda a debilitar a força com
que temos segurado a verdade ou a diminuir o nosso ardor na contenda pela fé
que tem sido uma vez dada aos santos. Oh, não, querido leitor!; este não é o
momento para afrouxar os lombos, depor os arneses nem rebaixar a medida das
normas divinas. Tudo pelo contrário. Nunca como hoje existiu tão urgente
necessidade de termos cingidos nossos lombos com a verdade, com os pés calçados
e mantendo a norma dos princípios divinos em toda a sua integridade. Dizemos
estas coisas com reflexão. As dizemos a causa dos múltiplos esforços do inimigo
por empurrar-nos fora do terreno da pura verdade ao nos sinalar as faltas de
aqueles que têm fracassado em manter uma conduta pura. Ai, ai, ai, há
fracassos, tristes e humilhantes fracassos" não negamos, quem se atreveria
a fazê-lo? É demasiado patente, demasiado flagrante, demasiado grosseiro. O
nosso coração se parte quando pensamos nisto. O homem falha sempre e em todas
partes. Sua história, desde o Éden até os nossos dias, leva a marca do
fracasso. Tudo isto é inegável, mas bendito seja o Seu Nome o fundamento de
Deus está firme, e o fracasso humano não pode tocá-Lo jamais. Deus é fiel. Ele
conhece os seus, e todo aquele que invoca o nome de Cristo deve apartar-se da
iniqüidade (2 Timóteo 2:19). Não cremos nem podemos crer que para melhorar a
nossa conduta devamos abater a bandeira dos princípios de Deus. Humilhemo-nos
diante dos nossos fracassos; mais nunca abandonemos a preciosa verdade de Deus.
Tudo isto é uma digressão que nos permitimos com o objetivo de evitar que, ao
termos urgido o leitor à importância de cultivar um espírito quebrantado e
dócil, este pudesse ter inferido que com isso quisemos dizer que é necessário
abandonar um Igreja ou um til da divina revelação. Agora retornemos ao nosso
tema. O ministério de Eliú tem características muito peculiares e notáveis.
Eliú se encontra em vívido contraste com os três amigos. Seu nome significa
"Deus é ele" e, sem dúvida, podemos considerá-lo como um tipo de
nosso Senhor Jesus Cristo. Eliú coloca a Deus na cena, e põe fim também às
tediosas contendas e disputas que se sucederam entre Jó e seus amigos. Ele não
discursa baseando-se na experiência; também não apela à tradição nem profere os
acentos da legalidade, senão que introduz a Deus. É a única forma de pôr fim às
controvérsias, de acalmar os altercados, e de fazer um cesse o fogo numa guerra
de palavras. Ouçamos as palavras desta notável personagem: "Eliú,
porém, esperou para falar a Jó, porquanto tinham mais idade do que ele. Vendo,
pois, Eliú que já não havia resposta na boca daqueles três homens, a sua ira se
acendeu" (32:4-5). Note-se isto: "não havia resposta".
Em todos os seus arrazoamentos, em todos os seus argumentos, em todas as suas
alusões à experiência, à legalidade e à tradição, "não havia resposta".
Isto é muito instrutivo. Os amigos de Jó haviam recorrido, por assim dizer, um
amplo campo; tinham falado muitas coisas certas e esgrimido muitas objeções;
porém, note-se bem, não tinham achado nenhuma resposta. Não está dentro dos
alcances da terra nem na natureza achar uma resposta para um coração que tem
segurada a sua própria justiça. Deus somente pode dar a justa resposta, como
veremos a continuação. Em nenhum outro, senão em Deus, o coração não
quebrantado pode achar uma réplica sempre pronta. Isto resulta obvio na
história que estamos considerando. Os três amigos de Jó não acharam resposta
nenhuma. "E respondeu Eliú, filho de Baraqueel,
o buzita, e disse: Eu sou de menos idade, e vós sois idosos; receei-me e temi
de vos declarar a minha opinião. Dizia eu: Falem os dias, e a multidão dos anos
ensine a sabedoria. Na verdade, há um espírito no homem, e a inspiração do
Todo-Poderoso os faz entendidos." (32:6-8). Eis aqui que a luz divina a luz da inspiração começa a fluir sobre a cena e a dissipar as espessas nuvens de pó que se
geraram por uma disputa de palavras. Tão pronto como este bem-aventurado servo
do Senhor abre seus lábios, se deixam sentir a autoridade e o peso moral das
suas palavras. É evidente que nos encontramos em presença de um homem que fala
como os oráculos de Deus; um homem que se encontra perceptivelmente na presença
divina. Não se trata de alguém que recorre à magra adega da sua limitada e
deficiente experiência, nem de um que apela à venerável antiguidade, à
desconcertante tradição ou às contraditórias vozes dos Padres. Não; agora temos
ante nós a um homem que nos coloca de imediato sob a influência do "sopro
do Onipotente". Eis aqui a única autoridade segura; a única norma
infalível. "Os grandes não são os sábios, nem os velhos entendem o que
é reto. Pelo que digo: Dai-me ouvidos, e também eu declararei a minha opinião.
Eis que aguardei as vossas palavras, e dei ouvidos às vossas considerações, até
que buscásseis razões. Atendendo, pois, para vós, eis que nenhum de vós há que
possa convencer a Jó, nem que responda às suas razões; Para que não digais:
Achamos a sabedoria, Deus o derribou, e não homem algum. Ora ele não dirigiu
contra mim palavra alguma, nem lhe responderei com as vossas palavras. Estão
pasmados, não respondem mais, faltam-lhes as palavras." (32:9-15). A
experiência, a tradição e a legalidade são barridas fora da plataforma para
deixar espaço ao "sopro do Onipotente", ao ministério poderoso e
direto do Espírito de Deus. O ministério de Eliú bate na alma com uma força e
uma profundidade extraordinárias. Encontra-se em vívido contraste com o
incompleto e tremendamente defeituoso ministério dos três amigos. Era o remédio
para pôr fim a uma controvérsia que parecia interminável; uma controvérsia
entre um férreo egotismo por parte de Jó, e uma flutuante experiência, uma
volúvel tradição e uma presunçosa legalidade de parte dos seus amigos; uma
controvérsia que não servia para nada, ao menos para Jó, e que acabaria
deixando as partes muito mais enfrentadas do que estavam no princípio. Porém,
essa controvérsia não deixa de ter o seu valor e interesse para nós. O claro
ensinamento que nos deixa é este: duas partes em disputa jamais poderão chegar
a se entenderem a menos que exista, de uma ou da outra parte, certo grau de
quebrantamento e avassalamento do coração. Esta é a valiosa lição a que todo
nós devemos prestar atenção. Não só no mundo, senão também na igreja, existe
uma grande quota de obstinação e de arrogância; uma grande quantidade de
atividades centradas no homem; uma forte dose de "eu, eu, eu"
para tudo; e isso, além, prevalece onde menos o esperaríamos, a saber, nas
coisas que se relacionam com o santo serviço para Cristo. Quão repulsivo!
Podemos afirmar com absoluta certeza que nunca o egotismo é mais detestável que
quando se manifesta no serviço de esse Bendito que se despojou a si mesmo, de
quem toda a vida foi uma completa renuncia própria, e quem nunca buscou sua
própria glória nem seus próprios interesses, como também não agradar-se a si
mesmo. Ai!, a pesar de tudo isto, não existe, querido leitor, largas e
estendidas demonstrações deste eu aborrecível e não subjugado no terreno
da profissão cristã e do ministério cristão? Quem poderia negá-lo? A medida que
os nossos olhos examinam o relato da notável discussão entre Jó e seus amigos,
descobrimos com surpresa que só no que vá dos capítulos 29 ao 31, Jó se
menciona a si mesmo aproximadamente umas cem vezes! Em resumidas contas, tudo é
"eu", "mi", "me", nestes
capítulos. Porém, dirijamos os nossos olhares a nós mesmos. Julguemos nosso
próprio coração em suas atividades mais íntimas e profundas. Revistemos nossos
caminhos à luz da presença divina. Coloquemos as nossas obras e serviços sobre
a santa balança do santuário de Deus. Então, descobriremos quanto há desse
detestável eu, o qual estende-se como um tecido escuro e contaminador
por entre todas as vestes da nossa vida cristã e do nosso serviço cristão. A
que se deve, por exemplo, que sempre que nos tocam o eu, por mesmo que
seja no mínimo, tenhamos tanta predisposição a assumir uma atitude arrogante?
Por que nos ofendemos com tanta facilidade e nos irritamos tanto ante as
repreensões, por muito delicado e doce que seja o tom dessas? Por que essa tão
forte tendência a ofender-se ante o menor menosprezo que nos façam? Por que, em
fim, nossas simpatias, nosso respeito e nossas preferências se dirigem com
tanta energia a aqueles que têm um bom conceito de nós, que apreciam o nosso
ministério, que estão de acordo com as nossas opiniões e que adotam as nossas
idéias? Todas estas coisas, não nos dizem nada? Acaso não nos chamam a
despojar-nos primeiramente do nosso grande egotismo, antes de condenar ao do
nosso antigo patriarca? Com certeza que ele não precedeu bem; mas nós estamos
muito mais enrolados no mal. O fato de que um homem que vivia no escurecido
crepúsculo das distantes épocas patriarcais se visse prisioneiro na armadilha
do orgulho, deveria surpreender-nos muitíssimo menos que o de um santo na mesma
situação, mas sob a luz do cristianismo. Cristo ainda não tinha aparecido.
Nenhuma voz profética havia chegado ainda aos ouvidos dos homens. Nem sequer a
própria lei tinha sido entregue quando Jó vivia, falava e pensava. Podemos
fazer-nos uma muito ligeira idéia, certamente, do tão tênue raio de luz que
alumbrava a trilha dos homens nos tempos de Jó. Mas nós temos o elevado
privilegio e a santa responsabilidade de andar na luz culminante de um
cristianismo cumprido. Cristo já veio. Viveu, morreu, ressuscitou e ascendeu
aos céus. Ele enviou o Espírito Santo para morar nos nossos corações, como
testemunha de Sua glória, como selo da redenção cumprida e como as garantias de
nossa herança até a redenção da possessão adquirida. O cânon da Escritura está
fechado. O círculo da revelação está completado. A Palavra de Deus está
concluída. Temos ante nós a história divina de Aquele que se despojou a si
mesmo e que ia de lugar em lugar fazendo o bem; o maravilhoso relato do que
fazia e de como o fazia; do que dizia e de como o dizia; de quem era e do que
era. Sabemos que Ele morreu pelos nosso pecados, conforme às Escrituras; que
condenou o pecado e o tirou do meio; que a nossa velha natureza essa odiosa
coisa chamada de eu, o "pecado", a carne tem sido crucificada
e enterrada aos olhos de Deus; que se deu fim a seu poder sobre nós para
sempre. Sabemos, também, que somos participes da natureza divina; que temos o
Espírito Santo que mora em nós, que somos membros do corpo de Cristo, de sua
carne e de seus ossos; que somos chamados a andar assim como Ele andou; que
somos herdeiros da Sua glória, herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo.
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