Santificação no Ser e no Fazer
A
Igreja Cristã escolheu em algum momento perseguir modelos de piedade e
santificação estabelecidos anteriormente em outros movimentos religiosos na
história. Esta piedade vem em grande parte do pietismo da Alemanha central,
transportada e vivida em diferentes cores e matizes (sem perder o cerne) e
através do puritanismo que se instalou na América do Norte. Nossos pioneiros
viviam imersos neste ambiente e carregaram esta maneira de viver a santificação
para todos os cantos da terra. As orientações do Espírito da Revelação
mostraram um equilíbrio entre a santificação do ser e do fazer, na verdade, ali
nem era feito esta divisão que ora apresento. Não há crítica naquilo que os
nossos pioneiros fizeram, apenas naquilo que deixaram de enfatizar e a maneira
como enfatizaram. “Cristo quer que seus ministros sejam educadores da igreja no
trabalho evangelístico. Eles devem ensinar o povo como procurar e salvar o
perdido. “Mas é este o trabalho que estão fazendo? Que pena! Quantos estão se
empenhando em acender uma faísca de vida em igrejas que estão à beira da morte!
“Quantas igrejas mais se parecem com ovelhas doentes...” Segundo Tiago 2:26, a
fé sem obras é morta. Na vida de Jesus vimos o exemplo de uma fé viva, marcada
pelo serviço desinteressado a outros e a Deus. Precisamos alinhar a
santificação no ser como no fazer para que a fé seja viva e completa. Jesus se
refere à fé completa, expressa em serviço e bom relacionamento, como Ele a
praticou quando Ele pergunta: “Contudo quando vier o Filho do homem, porventura achará fé
na terra?” (Lc. 18:8).
A Jornada Espiritual de cada
Cristão
Não
há como entendermos santificação, desenvolvimento da vida cristã e o que o
discipulado tem a ver com isto, se não entendermos o conceito da jornada
espiritual que todos estamos vivendo. Cada cristão está em alguma fase de
desenvolvimento. O jovem recém vindo do mundo, precisa entender o evangelho em
sua profundidade. O ancião que lidera a igreja precisa entender a falibilidade
humana e tratar as falhas das pessoas com misericórdia e correção em amor. A
mulher de um marido descrente tem que aprender como suportar as contradições de
sua situação e mesmo assim ser fiel. Como tudo na vida, também o
desenvolvimento de um cristão se dá em fases. Uma sucessão de eventos e
influências marca a vida como um todo.
Anomia: fase em que a pessoa não quer saber de Deus ou tem
uma percepção vaga ou modística de Deus e da religião. O centro de sua vida
continua sendo o EU. Qualquer coisa que possa cooperar para a satisfação deste
EU, pode ser aceita, mas não toca e nem transforma o EU. Ao andar sem a Luz em
sua vida (Sl. 119:105) tropeça na vida machucando a si mesmo e a outros. A
culpa e o pecado vão se acumulando prejudicando o bom funcionamento das
engrenagens da vida e dos relacionamentos. Certo cansaço vai se acumulando pelo
caos que vai se estabelecendo pelo rastro de feridas deixadas atrás de si. Aqui
pode começar uma transição. O pecador percebe que tem algo de errado, mas não
sabe o que é, e na maioria dos casos nem quer saber. Até que Deus, por meio
daquela constante e persistente ação misteriosa que obra em nosso ser alcança o
coração e fornece uma perspectiva. Em um momento quase como de parto, em um
choque entre o desespero e a esperança, Deus se revela e aquilo que antes não
fazia sentido agora se torna o mais profundo desejo do coração. A boa semente
caiu em solo bom. Desde o princípio tem sido plano de Deus que através de Sua
igreja seja refletida para o mundo Sua plenitude e suficiência. Aos membros da
igreja, a quem Ele chamou das trevas para Sua maravilhosa luz, compete
manifestar Sua glória. A igreja é a depositária das riquezas da graça de
Cristo.
Fase Legalista: A pessoa se rende a Deus e inicia sua jornada com
Deus, num relacionamento pessoal, bem como com Sua igreja instrumento utilizado para desenvolver os
cristãos em sua caminhada espiritual. A pessoa reconhece pelo estudo da Bíblia
que foi criada por Deus e apenas funciona bem se submeter-se às leis para as
quais foi criada. O cansaço de uma vida sem a ordem de Deus havia se
manifestado com tamanha fúria e intensidade que o descanso em Deus parece o
início da própria eternidade e do céu. As leis e mandamentos do Senhor são
inscritas em seu coração e passam a ser o seu prazer. Este contraste gritante
tende a conduzir o converso por expectativas irreais a respeito da natureza da
igreja e do poder do pecado sobre o ser humano. Quando bem preparados entendem
a luta entre a natureza espiritual e a natureza carnal em seu coração, mas
tende a ficar num nível teórico. A percepção da realidade cristã se dá apenas
por meio da experiência guiada e calibrada pela Palavra. Aqui inicia uma nova
transição.
Fase da Decepção: Ao passar o tempo e experiências vão sendo feitas
novas percepções entram em vigor. Irmãos são observados e depois das primeiras
experiências com Deus, uma pergunta começa a dirigir a vida do crente: “como é
a vida de um cristão que vive há muito tempo com Deus?” ou outra: “deixa eu ver
o efeito de viver a vida cristã na vida de alguém que anda com Cristo há mais
tempo... Será que eu quero isto para minha vida?” A decepção está aguardando. A
trombada entre expectativas elevadas e a dura realidade da falibilidade humana
é inevitável. Não poucas vezes esta experiência capota a fé de novos crentes. Pouco
a pouco vai observando os defeitos dos irmãos, de líderes, da igreja e se a
pessoa tem uma visão um pouco mais ampla vê os defeitos da organização como um
todo. Como se isto não bastasse, se o crente for honesto consigo mesmo e não
deixar se ofuscar pelo perfeccionismo, vê suas próprias lutas e derrotas, e o
castelo de sonhos cai. A ilusão dá lugar ao real, a expectativa dá lugar ao
fatual. Nesta fase o crente se torna ácido, os seus olhos parece que se abrem
para o defeito. Alguns passam a não enxergar mais nada a não ser os defeitos.
Não demora muito a atitude de impotência para mudar o sistema, bem como a
crítica se instalam minando as forças espirituais que sustentavam a vida. As
disciplinas espirituais são negligenciadas. É nesta fase que alguns querem
controlar e supervisionar para terem a percepção que as coisas não estão fora
de rumo como se o seu rumo fosse melhor
do que o rumo que outros dão... Outros desistem de lutar nesta fase, quando
percebem as sucessivas derrotas que sofrem. Há uma tendência de se estagnar
nesta fase que é cognominada de fase da areia movediça. Muitos que caem nesta
fase perdem o vigor espiritual e se permanecem na igreja, ficam ali como
membros e desistem de progredir em seu discipulado. Por ser uma fase na qual o
crente não é cooperativo com a igreja, tende a se tornar desagradável e
acontece com pessoas que já estão um bom tempo na igreja muitos negligenciam e
ou descriminam, deixando-o marginalizado. O tecido social da igreja não está
preparado para pessoas assim e muitas vezes este tecido é preparado para não
aceitar a influência “deste tipo de gente”. A situação piora por que o próprio
crente que passa por esta fase e a torna visível para outros (não esquecendo
que todos passam por esta fase e nem todos a tornam visível) se tornam céticos
e cínicos e têm dificuldades de aceitar ajuda. Num pragmatismo doentio que se
implantou em meio ao cristianismo “você é ou não é” algo, ninguém permite o
desenvolvimento de um processo. Tanto por parte da igreja como por parte do
crente que passa por esta fase há desconfianças. “A igreja não muda” diz o
crente decepcionado. “Ninguém consegue mudar alguém!” diz a igreja. É
mandatória nesta fase a atenção pastoral, aproximação pessoal, baixar armas dos
dois lados e trazer o indivíduo para dentro da rede de afeto e atenção da
igreja novamente, explicando-lhe a fase pela qual está passando e que há possibilidades
e necessidade de crescimento. É necessário ajuda para entrar na próxima fase de
transição.
Fase da Maturidade: Aqui o crente já passou pelas fases mais difíceis e
começa a desfrutar com equilíbrio e grandeza a sua vida com Deus. Nesta fase o
cristão sabe que as coisas não são perfeitas, também não tenta usar a lei como
ferramenta para arrumar o que está errado, não precisa mais criticar, pois
percebe a falibilidade de tudo inclusive de si mesmo, aprende a se importar com
as pessoas e com Deus em sua vida. É a fase do serviço maduro. O crente sabe
servir e entende que faz bem para as três partes: Deus, a si mesmo e ao próximo.
É a fase na qual conhece os seus dons e sabe utilizá-los. Suporta a
falibilidade humana em suas diversas manifestações (incluindo a crítica
daqueles a quem está ajudando). Não é que este crente não se fira ou reaja
fortemente aos abusos que sofre ao tentar servir, pelo contrário, sabe se impor
e colocar limites mesmo estando ferido. Ele aprende a ver a imagem maior. Com
os olhos fixos no grande conflito entre o bem e o mal e a volta de Jesus tem
motivos e motivação suficientes para seguir avante em seu serviço a Deus e ao
próximo. Não precisa de reconhecimento e muito menos aplauso. Sabe lidar com a
crítica e com o elogio sem perder a sua comunhão íntima com Deus e com a sua
igreja. De forma nenhuma esta fase deve ser confundida com a fase de um
“super-cristão”, pois ainda e sempre está sujeito à queda e ao retrocesso
Fenômeno Cíclico
Parece
que na experiência cristã não existe a linha de chegada. Aquele que está em pé,
cuide para que não caia, como diz Paulo (1 Co. 10:12). O processo de
santificação antes parece nos levar em forma espiral por estas fases de maneira
circunstancial. Aqueles que são mais proativos, estarão menos sujeitos aos
solavancos e guinadas na sucessão destas fases em repetição helicoidal. Os
altos e baixos não perdoam ninguém. As recaídas naqueles pontos que já vencemos
em Cristo parece ser nosso quinhão. Quando pensamos que estamos intocáveis
pelas fases já vencidas, Deus providencia experiências por meio das quais temos
que renovadamente aprender a lidar com estas “fases já vencidas”. Parece que
todos temos que chegar à conclusão à qual Paulo foi conduzido em sua
experiência: “a minha graça te basta, por que o poder se aperfeiçoa na
fraqueza!” (2 Co. 12:9). Há cristãos que desanimam com a constante luta que não
quer cessar. Novamente evoco Paulo: “estou plenamente certo, de que Aquele que
em vós começou a boa obra há de concluí-la até o dia de Cristo Jesus...” (Fl.
1:6). Não ouse desistir jamais, pois quando nosso Senhor chegar haveremos de
ouvir as palavras: “servo bom e fiel...” (cf. Mt.25:21) e haveremos de falar
como Paulo: “combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé...” (cf. 2
Ti. 4:7).
TEM
CONTINUAÇÃO DIARIAS.
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